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13/08/2022

39 - RELATO SOB O OUTONO

Era quase esquina com Rua Rubem Fonseca quando um policial à paisana cruzou meu caminho. A trombada foi ligeira, mas como eu corria muito e ventava muito e muito estranhos eram meus movimentos, o policial desocupado passou a seguir-me.

Corríamos, um atrás do outro. Ele, com intuito de desvendar meus delitos; eu, buscando um ninho que me abraçasse.

Quanto mais corria, mais seus pés de homem com tempo engoliam meus segundos. De vez em quando, meus olhos lançavam olhadelas e ardiam (areavam-se), por pouco não cerrando as janelas.

Era tarde da noite, era inocente da morte que nem mesmo sabia, havia horas que não via as paredes carcomidas de meu quarto, e meu querer se restringia a um aperto-de-mão seguro e um túmulo sem portas.

O soldado à paisana prosseguia firme na caçada. Meu fôlego morria e cremava-se dentro do peito. Minhas pernas cansadas, com dificuldades reumáticas, eram automáticas em guiar-me para longe do lugar do crime inexistente. Braços autômatos e outro entroncamento vinha como comparsa da autoridade. Mas, nesta cidadela, pensei, ou tomo estas ruelas que se apresentam como desvios, ou tombo, findando o dia numa surra mal entendida, num beco sem beira, sem saídas.

Minha correria, numa façanha, como um tiro, pulou para a outra calçada. Virei à direita na esquina e quase preencho um atestado de óbito com “causa mortis: Parada Cardíaca”.

Não acreditava no que surgia em minha frente, cara-a-cara. Eu, sempre crente e temente ao nosso querido Salvador São Jorge, por sorte não caí de repente, imerso no susto e no apavoramento.

Imaginação fértil, nunca tive. Medo, apenas da fome e da pouca comida, ironicamente consumidora de meus dentes. Mas, ali, em frente a meus passos, trazida pela incansável ventania (ou pelo diabo!), eis que tentava minha queda, através das armas da surpresa e do espanto, aquela... folha seca!

Visão comum nestas idas do ano: folhas secas.

Parei, depois do susto incontável, e, num gesto pacificamente perigoso, apanhei a folha.

O guarda tosco, sem uniforme, mas mulato da cor de uma casca grossa, também parou. Tinha sido cinza no perseguir-me. Eu, coitado em distraí-lo.

O vento me importunava. Resignado, tomei o rumo de casa, largando a folha ao chão.

No céu, o balanço de nuvens e estrelas lembravam pipas guerreando.


Johnny Guimarães